
O acordo põe fim a uma disputa que se arrastava desde 2017 e se tornou a maior briga empresarial do país. Os indonésios pagaram inicialmente cerca de R$ 3 bilhões para levar 49,4% das ações da Eldorado. Os 50,6% restantes deveriam ser adquiridos em um ano, até setembro de 2018, e incluíam a liberação das garantias vinculadas à J&F. Sem conseguir cumprir esse precedente contratual no prazo estipulado, a Paper recorreu a uma arbitragem.
Em fevereiro de 2021, saiu a sentença arbitral parcial, que deu ganho de causa à Paper Excellence. Porém, a J&F foi à Justiça para anular a arbitragem, alegando que o procedimento foi parcial e houve violação do dever de revelação de um dos árbitros e espionagem de 70 mil e-mails durante o curso da arbitragem. Em julho de 2022, em primeira instância, a juíza Renata Maciel julgou a ação anulatória improcedente e manteve o resultado em favor da Paper.
A empresa brasileira alegou que o processo judicial estava suspenso por ordem do Tribunal de Justiça de São Paulo. Somente em março deste ano, após uma série de recursos no TJ-SP, a corte reconheceu a nulidade da sentença de primeira instância.
A disputa também levantou a discussão em torno da compra de terras por estrangeiros. Uma ação aberta em Santa Catarina e outra no Mato Grosso do Sul questionaram o negócio porque a Paper não apresentou autorizações do Incra e do Congresso Nacional para assumir terras no país — um requisito previsto pela legislação.
Nesse contexto, a transferência das ações da Eldorado para a Paper foi suspensa por decisões do TRF-3 e do TRF-4. Em seis oportunidades, o grupo indonésio tentou anular essas decisões, sem sucesso. Na última delas, o juiz federal Roberto Polini, da 1ª Vara Federal de Três Lagoas (MS), ratificou as liminares.
Na ação que corre em Três Lagoas, sede da Eldorado, o Ministério Público Federal defendeu que o contrato de compra e venda é nulo por violação da lei brasileira, uma vez que não há autorização do Incra e do Congresso Nacional para a compra de terras por estrangeiros. Em um processo administrativo, o Incra chegou à mesma conclusão. Portanto, a companhia estrangeira não poderia ter celebrado o contrato em 2017.
Veja a linha do tempo da disputa:
Setembro de 2017: J&F e Paper Excellence fecham contrato para a venda de 100% da Eldorado, avaliando a empresa em R$ 15 bilhões. Paper Excellence faz a compra de 49,41% das ações por R$ 3,8 bilhões, e tem prazo de um ano para cumprir as condições precedentes e pagar pelos 50,59% restantes;
Setembro de 2018: O prazo contratual termina sem que a Paper Excellence tenha cumprido a principal condição precedente, nem pago pelo restante das ações. A Paper Excellence recorre ao Judiciário, sem sucesso, e dá início a uma arbitragem alegando que não conseguiu cumprir a condição porque a J&F e a Eldorado não colaboraram;
Fevereiro de 2021: Sentença arbitral parcial dá ganho de causa à Paper Excellence;
Março de 2021: J&F pede na Justiça a anulação da sentença arbitral por três motivos: espionagem de 70 mil e-mails trocados entre ela e seus advogados do caso durante a arbitragem, comprovada pela polícia; quebra do dever de revelação do árbitro indicado pela Paper Excellence, que tinha uma sociedade de fato com o escritório de advocacia dos indonésios; e ilegalidade das ordens contidas na sentença;
Julho de 2021: Por 3 a 0, Tribunal de Justiça de São Paulo suspende os efeitos da arbitragem, enxergando “nódoa” no procedimento arbitral;
Julho de 2022: Juíza de primeira instância nega pedido da J&F e mantém validade da sentença arbitral, além de elevar o prêmio dos advogados da Paper Excellence de R$ 10 milhões para R$ 600 milhões. J&F alega que o processo anulatório estava suspenso por ordem superior do tribunal;
Abril de 2023: Ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal é apresentada em Três Lagoas (MS) contra a venda da Eldorado para a Paper Excellence por descumprimento da Lei de Terras. Com capital majoritariamente estrangeiro, a indonésia só poderia ter assinado o contrato de compra da Eldorado após autorização do Incra e do Congresso Nacional, porque a empresa de celulose possui e arrenda vastas extensões de terras;
Maio de 2023: Ação popular é ajuizada em Santa Catarina pedindo que não ocorra transferência das ações da Eldorado enquanto as autorizações prévias não forem apresentadas;
Julho de 2023: Por 3 a 0, Tribunal Regional Federal da 4ª Região proíbe qualquer ato de transferência de ações da Eldorado para a Paper Excellence por falta das autorizações legais para a aquisição e o arrendamento de terras por estrangeiros;
Dezembro de 2023: Técnicos do Incra concluem, em nota técnica, que o negócio exigia as autorizações prévias do órgão e do Congresso e que a Paper Excellence nunca as solicitou. Conclui que o contrato é nulo e a única solução não judicial seria o seu desfazimento voluntário. Advocacia-Geral da União avaliza nota técnica do Incra;
Janeiro de 2024: MPF também se manifesta pela nulidade do contrato de aquisição da Eldorado pela Paper por violação da Lei de Terras;
Novembro de 2024: Supremo Tribunal Federal promove audiência de conciliação na qual a J&F comparece com procuradores e instituição bancária propondo comprar a participação da Paper Excellence na Eldorado imediatamente, a valor de mercado atual;
Março de 2025: Corte Internacional de Arbitragem nega um pedido da Paper Excellence de tirar a arbitragem do caso de São Paulo e transferi-la para uma “jurisdição neutra”, preferencialmente Paris;
Março de 2025: TJ-SP acata argumentos da J&F e anula sentença de primeira instância que mantinha válida a decisão da arbitragem a favor da Paper Excellence. Suspensão da arbitragem (já suspensa também pelo TRF-4) volta a valer e o caso deverá ser julgado por novo juiz;
Maio de 2025: Pela sexta vez, a Paper Excellence tem negado pela Justiça seu pedido de revogação da decisão do TRF-4 que proíbe a transferência da Eldorado. Pedidos foram negados no TRF-4, no STF, no STJ, no TRF-3 e duas vezes na Justiça Federal do Mato Grosso do Sul.
Maio de 2025: Paper Excellence aceita acordo proposto pela J&F em novembro de 2024 no STF. J&F compra todas as ações da Eldorado detidas pela estrangeira por US$ 2,64 bilhões (R$ 15 bilhões) e passa a ser a única acionista da fabricante de celulose. O valor garante um retorno significativo para a Paper Excellence, que havia pago US$ 1,2 bilhão (R$ 3,8 bilhões) por sua fatia.