1-6-2017, MST
Medida é apontada pelos movimentos como inconstitucional, por desobrigar o estado a desenvolver políticas públicas de Reforma Agrária.
Por Lizely Borges
Na noite desta quarta-feira (31), o plenário do Senado aprovou por 47 votos favoráveis a 12 contrários o Projeto de Lei de Conversão 12/16 (anterior MP 759), que estabelece novas diretrizes legais sobre a regularização de terras urbanas e rurais no país. De autoria do presidente Michel Temer (PMDB) e publicada na antevéspera de natal do último ano, a votação da matéria pelo Senado evidencia a desigual correlação de forças entre defensores de uma Reforma Agrária ampla e popular e expoentes do agronegócio.
Bancada majoritária no Congresso, os parlamentares do agronegócio articularam, na votação de ontem, a adesão à medida pelos senadores de oito legendas (PSDB, DEM, PP, PR, PDT, PTB, PRB e PSB). Nos corredores do parlamento era conhecido o cenário favorável à aprovação da PLV. Dos 81 senadores, 32 possuem estreitos vínculos com interesses do agronegócio, segundo a Agência A Pública.
Com exceção das ações de resistência por parlamentares do PT, do PSB, do PCdoB, PSOL e Rede nas duas casas legislativas, a medida defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) circulou com relativa facilidade pela Comissão Mista composta por senadores e deputados federais e agora segue para sanção presidencial, à revelia da oposição de movimentos populares, organizações e órgãos como o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal, que manifestaram oposição pública à matéria e recomendaram sua retirada de pauta.
Retrocessos
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, o texto encaminhado à sanção presidencial evidencia uma política de governo que quer, numa só canetada, “se livrar dos assentados e das terras públicas da União”.
Ele aponta que a normativa cria em seus dispositivos um contexto de vulnerabilidade ao assentado que, a curto prazo, pode significar na venda das terras aos grandes proprietários. Isto porque a medida estabelece que o prazo limite para emancipar uma família passa a ser de 15 anos para a família que será assentada e três para aquela que já está na terra. Para Teixeira, o problema não está no prazo limite de emancipação, mas na ausência de menção no texto às obrigações do estado, como prevê o Artigo 188 da Constituição Federal.
Pela lei constitucional, “a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o Plano Nacional de Reforma Agrária”. O texto do PLV não faz menção às políticas que devem acompanhar a emancipação do assentado, como infraestrutura, crédito ou educação.
Outros dois dispositivos que evidenciam, segundo Gerson, a emancipação massiva é a antecipação da possibilidade de venda da terra pelo assentado, contando 10 anos a partir da chegada da família no lote, e a impossibilidade de escolha do título definitivo pelo assentado.
Defendido pelo MST, o título de concessão real do uso da terra, ou seja, uso da terra sem posse de título, passa a não ser mais uma opção do assentado. A ele, é possibilitado apenas o título de posse. Em contexto de fragilidade dos assentamentos, muitos deles sem água e luz, por exemplo, o agricultor fica vulnerável à venda da terra ao mercado especulativo.
“A maior parte dos assentamentos tem condições precárias. Não tem crédito, não tem infraestrutura. Tem assentamento de 20 anos que não tem nenhum poço de água. Ao emancipar uma pessoa na condição que está, sem ter condições de produzir, ela vai vender a terra”, aponta Gerson. “No fundo há uma demanda dos ruralistas que querem os 80 milhões de hectares de terras públicas da Reforma Agrária. Ao antecipar e acelerar massivamente a emancipação dos assentamentos, a maior parte precários, gera o que o agronegócio quer – terras a venda”, complementa.
Outro dispositivo presente na norma que possibilita a reconcentração fundiária é a possibilidade de regularização fundiária de megalatifúndios. Nas normativas anteriores, o limite de área de terra pública regularizada era de 1,5 mil hectares na Amazônia Legal; grande extensão de terra, dado o contexto da região. Pelo novo texto, áreas de até 2,5 mil hectares, em qualquer região do país, estão incluídas na política de regularização. “1,5 mil hectares fora da Amazônia já seria um absurdo de área, imagine 2,5 mil hectares”, destaca Gerson.
O integrante da Coordenação Nacional do MST, Alexandre Conceição, manifesta preocupação com o processo de seleção das famílias acampadas. Pelo dispositivo, a escolha será feita por edital público, com forte participação direta dos municípios. Para ele, as relações de compadrio e coronelismo nos municípios devem influenciar fortemente na escolha dos assentados, destituindo a Reforma Agrária do seu caráter inclusivo e político. “A Reforma Agrária é um tema nacional e dever da federação, e agora passa para a responsabilidade de seleção pelos municípios. Isso implica que muitos acampados devem perder o direito de ser assentado, já que a seleção desconsidera aquele que luta pela terra”, diz.
Alexandre alerta ainda que deve ocorrer um desvio de intenção na realização da Reforma Agrária. “Nosso entendimento que é de direito à terra por aquele que a busca, que se organiza, que identifica o latifúndio improdutivo e a terra que não cumpre sua função social. É de direito para aquele que produz alimentos e luta pela terra como meio de sobrevivência e justiça social, e não para outros interesses”, diz, em referência às 130 mil famílias acampadas pelo país à espera de terra.
Inconstitucionalidade
Além de conter um conjunto de princípios que atendem somente a interesses dos setores econômicos em detrimento da destinação de terras para população de menor rendimento, como orienta uma Reforma Agrária Popular, os oposicionistas à matéria apontam que o PLV apresenta elementos de inconstitucionalidade.
Para o procurador da República do Ministério Público Federal (MPF-MS), estes elementos estão expressos na “ausência dos requisitos constitucionais de urgência e relevância [princípios na emissão de uma MP], utilização de medida provisória para regular matéria reservada a lei complementar, a indenização em dinheiro, e não em títulos da dívida agrária em caso de desapropriação para Reforma Agrária, destinação de terras públicas em desacordo com a Política Nacional de Reforma Agrária, uma vez que as medidas acarretarão a concentração fundiária”. O procurador foi uma das poucas vozes dissonantes ouvidas no reduzido número de audiências públicas realizados pela Comissão Mista.
Gerson Teixeira também destaca o ferimento à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), na medida em que a nova norma estabelece valores abaixo de mercado para as terras públicas. Desta forma, o estado brasileiro, que sofre com a contenção dos recursos públicos, renuncia ao incremento da receita pública. “O preço abaixo de mercado significa uma renúncia da receita”, diz, em referência ao preço final pago pelo Incra, entre 10% a 50% do valor da terra nua, ou seja, o valor do imóvel rural sem nenhum investimento relacionado à atividade rural.
Convulsão no campo
Na avaliação dos movimentos camponeses, órgãos de defesa da Reforma Agrária e dos direitos do cidadão, a disponibilização das terras públicas para o mercado deve gerar um ambiente progressivo de convulsão social no campo. “É importante apontar que a possibilidade de regularização de áreas a preços ínfimos, especialmente de grandes propriedades rurais, acarretará o incremento do desmatamento e da violência do campo. Os casos recentes de violência no MT, MA e PA apenas confirmam esta afirmação”, recorda o procurador.
A opinião é compartilhada pela procuradora dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República (PFDC), Deborah Duprat, que, com preocupação, lista os graves massacres recentes de Colniza (MT), Pau D´Arco (PA) e contra os povos Gamela (MA). “Em meio aos protestos foi aprovada o 759 que, entre inúmeras inconstitucionalidades, transfere para domínio privado um estoque enorme de terras públicas. Com isso, várias políticas que demandam a garantia de terras para povos, meio ambiente e unidades de conservação vão ficar complemente comprometidas. Temos que nos preparar para um cenário no campo que, por falência das políticas de estado, a violência deve crescer exponencialmente” manifesta.
*Editado por Leonardo Fernandes
Senado aprova com facilidade a MP que trata da regularização fundiária no campo e cidade. Foto Marcos Oliveira. Agência Senado
Medida é apontada pelos movimentos como inconstitucional, por desobrigar o estado a desenvolver políticas públicas de Reforma Agrária.
Por Lizely Borges
Na noite desta quarta-feira (31), o plenário do Senado aprovou por 47 votos favoráveis a 12 contrários o Projeto de Lei de Conversão 12/16 (anterior MP 759), que estabelece novas diretrizes legais sobre a regularização de terras urbanas e rurais no país. De autoria do presidente Michel Temer (PMDB) e publicada na antevéspera de natal do último ano, a votação da matéria pelo Senado evidencia a desigual correlação de forças entre defensores de uma Reforma Agrária ampla e popular e expoentes do agronegócio.
Bancada majoritária no Congresso, os parlamentares do agronegócio articularam, na votação de ontem, a adesão à medida pelos senadores de oito legendas (PSDB, DEM, PP, PR, PDT, PTB, PRB e PSB). Nos corredores do parlamento era conhecido o cenário favorável à aprovação da PLV. Dos 81 senadores, 32 possuem estreitos vínculos com interesses do agronegócio, segundo a Agência A Pública.
Com exceção das ações de resistência por parlamentares do PT, do PSB, do PCdoB, PSOL e Rede nas duas casas legislativas, a medida defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) circulou com relativa facilidade pela Comissão Mista composta por senadores e deputados federais e agora segue para sanção presidencial, à revelia da oposição de movimentos populares, organizações e órgãos como o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal, que manifestaram oposição pública à matéria e recomendaram sua retirada de pauta.
Retrocessos
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, o texto encaminhado à sanção presidencial evidencia uma política de governo que quer, numa só canetada, “se livrar dos assentados e das terras públicas da União”.
Ele aponta que a normativa cria em seus dispositivos um contexto de vulnerabilidade ao assentado que, a curto prazo, pode significar na venda das terras aos grandes proprietários. Isto porque a medida estabelece que o prazo limite para emancipar uma família passa a ser de 15 anos para a família que será assentada e três para aquela que já está na terra. Para Teixeira, o problema não está no prazo limite de emancipação, mas na ausência de menção no texto às obrigações do estado, como prevê o Artigo 188 da Constituição Federal.
Pela lei constitucional, “a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o Plano Nacional de Reforma Agrária”. O texto do PLV não faz menção às políticas que devem acompanhar a emancipação do assentado, como infraestrutura, crédito ou educação.
Outros dois dispositivos que evidenciam, segundo Gerson, a emancipação massiva é a antecipação da possibilidade de venda da terra pelo assentado, contando 10 anos a partir da chegada da família no lote, e a impossibilidade de escolha do título definitivo pelo assentado.
Defendido pelo MST, o título de concessão real do uso da terra, ou seja, uso da terra sem posse de título, passa a não ser mais uma opção do assentado. A ele, é possibilitado apenas o título de posse. Em contexto de fragilidade dos assentamentos, muitos deles sem água e luz, por exemplo, o agricultor fica vulnerável à venda da terra ao mercado especulativo.
“A maior parte dos assentamentos tem condições precárias. Não tem crédito, não tem infraestrutura. Tem assentamento de 20 anos que não tem nenhum poço de água. Ao emancipar uma pessoa na condição que está, sem ter condições de produzir, ela vai vender a terra”, aponta Gerson. “No fundo há uma demanda dos ruralistas que querem os 80 milhões de hectares de terras públicas da Reforma Agrária. Ao antecipar e acelerar massivamente a emancipação dos assentamentos, a maior parte precários, gera o que o agronegócio quer – terras a venda”, complementa.
Outro dispositivo presente na norma que possibilita a reconcentração fundiária é a possibilidade de regularização fundiária de megalatifúndios. Nas normativas anteriores, o limite de área de terra pública regularizada era de 1,5 mil hectares na Amazônia Legal; grande extensão de terra, dado o contexto da região. Pelo novo texto, áreas de até 2,5 mil hectares, em qualquer região do país, estão incluídas na política de regularização. “1,5 mil hectares fora da Amazônia já seria um absurdo de área, imagine 2,5 mil hectares”, destaca Gerson.
O integrante da Coordenação Nacional do MST, Alexandre Conceição, manifesta preocupação com o processo de seleção das famílias acampadas. Pelo dispositivo, a escolha será feita por edital público, com forte participação direta dos municípios. Para ele, as relações de compadrio e coronelismo nos municípios devem influenciar fortemente na escolha dos assentados, destituindo a Reforma Agrária do seu caráter inclusivo e político. “A Reforma Agrária é um tema nacional e dever da federação, e agora passa para a responsabilidade de seleção pelos municípios. Isso implica que muitos acampados devem perder o direito de ser assentado, já que a seleção desconsidera aquele que luta pela terra”, diz.
Alexandre alerta ainda que deve ocorrer um desvio de intenção na realização da Reforma Agrária. “Nosso entendimento que é de direito à terra por aquele que a busca, que se organiza, que identifica o latifúndio improdutivo e a terra que não cumpre sua função social. É de direito para aquele que produz alimentos e luta pela terra como meio de sobrevivência e justiça social, e não para outros interesses”, diz, em referência às 130 mil famílias acampadas pelo país à espera de terra.
Inconstitucionalidade
Além de conter um conjunto de princípios que atendem somente a interesses dos setores econômicos em detrimento da destinação de terras para população de menor rendimento, como orienta uma Reforma Agrária Popular, os oposicionistas à matéria apontam que o PLV apresenta elementos de inconstitucionalidade.
Para o procurador da República do Ministério Público Federal (MPF-MS), estes elementos estão expressos na “ausência dos requisitos constitucionais de urgência e relevância [princípios na emissão de uma MP], utilização de medida provisória para regular matéria reservada a lei complementar, a indenização em dinheiro, e não em títulos da dívida agrária em caso de desapropriação para Reforma Agrária, destinação de terras públicas em desacordo com a Política Nacional de Reforma Agrária, uma vez que as medidas acarretarão a concentração fundiária”. O procurador foi uma das poucas vozes dissonantes ouvidas no reduzido número de audiências públicas realizados pela Comissão Mista.
Gerson Teixeira também destaca o ferimento à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), na medida em que a nova norma estabelece valores abaixo de mercado para as terras públicas. Desta forma, o estado brasileiro, que sofre com a contenção dos recursos públicos, renuncia ao incremento da receita pública. “O preço abaixo de mercado significa uma renúncia da receita”, diz, em referência ao preço final pago pelo Incra, entre 10% a 50% do valor da terra nua, ou seja, o valor do imóvel rural sem nenhum investimento relacionado à atividade rural.
Convulsão no campo
Na avaliação dos movimentos camponeses, órgãos de defesa da Reforma Agrária e dos direitos do cidadão, a disponibilização das terras públicas para o mercado deve gerar um ambiente progressivo de convulsão social no campo. “É importante apontar que a possibilidade de regularização de áreas a preços ínfimos, especialmente de grandes propriedades rurais, acarretará o incremento do desmatamento e da violência do campo. Os casos recentes de violência no MT, MA e PA apenas confirmam esta afirmação”, recorda o procurador.
A opinião é compartilhada pela procuradora dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República (PFDC), Deborah Duprat, que, com preocupação, lista os graves massacres recentes de Colniza (MT), Pau D´Arco (PA) e contra os povos Gamela (MA). “Em meio aos protestos foi aprovada o 759 que, entre inúmeras inconstitucionalidades, transfere para domínio privado um estoque enorme de terras públicas. Com isso, várias políticas que demandam a garantia de terras para povos, meio ambiente e unidades de conservação vão ficar complemente comprometidas. Temos que nos preparar para um cenário no campo que, por falência das políticas de estado, a violência deve crescer exponencialmente” manifesta.
*Editado por Leonardo Fernandes