Brasil: Fazendeiros do Sul do Piauí acusam grileiros internacionais de tentativa de expulsão

22-1-2019, Oitomeia
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Terras planas do Matopiba são fator para disputa que atinge a população que vive nos baixões (Foto: Reprodução)

Na região conhecida como Matopiba, empresas de agronegócio vivem em conflito com comunidades do cerrado. No Piauí, empresário de 85 anos relata expulsão, ameaça e destruição de casas e da produção.

Paula Sampaio
 
O gaúcho Clóvis Paduan, de 85 anos, agricultor, uma vez eleito o melhor prefeito do Brasil quando ainda morava na cidade de Pato Branco, sonhou em cultivar terras no Sul do Piauí. Em buscas de novas oportunidades na sua área de atuação, o idoso adquiriu terras compradas do Governo do Estado no Piauí em 2010. Instalado no município de Baixa Grande do Ribeiro, há 406 km de Teresina, Paduan iniciou uma nova vida, construiu uma pequena casa de paredes brancas nas terras recém-compradas, a “casinha branca” como ficou conhecida pelos moradores da região. A representação do início do sonho de iniciar a produção de commodities agrícolas, como soja, milho e mesmo arroz e feijão no local onde passaria a viver até o presente momento.

No entanto, ao construir a “casinha branca” no interior do Sul do Piauí, Paduan não esperava que se tornaria o centro da disputa ferrenha que se trava na última fronteira agrícola do país, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O Matopiba está na divisa entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e compreende 73 milhões de hectares de cerrado que abarcam 337 municípios, 35 terras indígenas, 745 assentamentos de reforma agrária e uma gama de comunidades tradicionais como quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de coco, além de 46 unidades de conservação do segundo maior bioma brasileiro, considerado a savana mais rica em biodiversidade do mundo.

O empresário, acompanhado de um grupo de outros agricultores, direcionaram esforços para iniciar a instalação das pequenas fazenda no Matopiba. Os pequenos fazendeiros receberam incentivo do Governo do Piauí para compra das terras, dessa forma conseguiram um empréstimo junto a Banco do Brasil para estruturar terras, construir galpões, investir em maquinário e iniciar as plantações. Porém, Paduan e os companheiros viram o que haviam conquistado ser destruído por meio de uma série de atos violentos que eles alegam serem praticados grileiros internacionais, contra a propriedade deste que grupo de 64 pessoas. Após os assédios alguns até mesmo deixaram àquelas terras, fonte única de sustento de inúmeras famílias da região.

A DISPUTA E O PREÇO DO PROGRESSO NO MATOPIBA

As informações divulgadas nesta reportagem foram repassadas ao OitoMeia pelo advogado de Clovis Paduan, Samuel Gomes. Segundo o jurista afirmou, o assédio aos fazendeiros impede qualquer desenvolvimento de atividade agrícola na região. O contexto dramático no qual Paduan e grupo de agricultores vivem fica mais complicado ainda quando o advogado acusa que as ações violentas contra eles é paga por empresas internacionais, que alegam que as terras pertencem à eles. No Brasil, essas internacionais são representadas pela Insolo Agroindustrial S/A. Gomes deu detalhes ao OitoMeia e afirmou que a empresa foi criada pelos empresários paulistas Yvoncy e Salomão Iohschpe, ligados ao fundo patrimonial da Universidade de Harvard (Harvard Endowment Fund).

A batalha pela posse das terras não se resume à caótica Justiça piauiense, como já foi explicado. Segundo Gomes, é importante adiantar que a convivência entre as partes não é pacífica. Em Baixa Grande do Ribeiro, os agricultores do condomínio Laranjeiras vivem sob a constante sensação de insegurança, pois ali também vive um grupo homens armados. Este grupo é liderado por José Almeida Matias Brasil, Matias, como é conhecido popularmente entre os moradores. “É o Matias quem naquela região. Solto, ele aterroriza os pequenos agricultores da região”, pontuou. “Há um mandado de prisão contra ele, que simplesmente não foi cumprido, nem se tentava cumprir”, completou.

Segundo Gomes, a vida do velho Paduan e a de Matias se cruzou quando o homem mais jovem e um grupo armado passou a impedir que o empresário exerça pacificamente a posse da terras na Baixa Grande do Ribeiro. Pelo lado dos agricultores, os relatos de agressões físicas, psicológicas e matérias são muitos.

A QUEDA DA ‘CASINHA BRANCA’ E OS ASSÉDIOS

De acordo com Samuel Gomes, a principal forma pela qual a comunidade agricultora da região do Matopiba é assediada através da fabricação de guerra judicial e terrorismo econômico. O advogado cedeu ao OitoMeia um dossiê no qual reuniu relatos de diversos moradores da região sobre o acontecido com o fazendeiro Paduan.

Nesta declaração, o agricultor Pedro Irineu da Silva relata sobre uma invasão que a fazenda sofreu em maio de 2018. Nela, a residência de Paduan foi destruída, assim como plantações de milho. O agricultor ainda revela o furto de 300 toneladas de calcário.

“No dia 10 de maio de 2018, por volta das 16h00, acompanhei o senhor Clovis Santo Padoan em vistoria à sua área de terra (“Fazenda”) […] vimos que parte da área foi invadida. A área Invadida tem a extensão de 250 hectares. Na parte da área que foi invadida constatamos a plantação de milho e milheto e a destruição de bens (casa, marcos de divisa da área e calcário). Quanto ao calcário, verificamos duas situações. O calcário que se encontrava na entrada da Fazenda em sua divisa com a Fazenda São João, em volume aproximado de 25 toneladas, desapareceu.  O calcário que encontrava no interior da sua propriedade, próximo da casa da Fazenda (“Casinha Branca”), em volume de 300 toneladas, desapareceu e a área em que se encontrava está plantada com milho e milheto”, declarou o agricultor Pedro Irineu da Silva.

Neste outro relato um empregado da fazenda de Paduan, João de Deus dos Santos Lopes, descreve o clima de terror vivido por no condomínio Laranjeiras:

“Em um determinado dia, por volta do meio-dia, quando a gente estava almoçando, a ronda policial chegou ao local acompanhada por cerca de dez seguranças da empresa Insolo, que desceram de três ou quatro carros, fortemente armados, e de um helicóptero de cor preta. Do helicóptero desceu um policial do município de Baixa Grande do Ribeiro dizendo-se representante da Polícia Federal. Levaram o senhor Arlindo na viatura. Quando os policiais saíram do local levando o senhor Arlindo na viatura e o helicóptero decolou, os seguranças da Insolo expulsaram a mim e aos demais trabalhadores que estavam no local. Queriam que a gente (eu e os companheiros de trabalho) saíssemos do local imediatamente, sem levar com a gente nem as nossas coisas pessoais (ferramentas, roupas … ). E com facões passaram a cortar o que pudesse ser cortado (redes de dormir, lonas etc). E ameaçavam botar fogo em tudo. Diante disso, sem terminar o almoço, saímos do local o Manoel Mariano, Raimundo, Nilmar e outros companheiros”, declarou.

A RETOMADA DE UMA VIDA

Após resistir há quase 10 anos nesse contexto, em um clima constante de segurança, tanto para os fazendeiros quanto para toda a comunidade de agricultores de Baixa Grande do Ribeiro, Clovis Padoan, chegou à um ponto onde ficou doente. Por esse motivo, o empresário esteve afastado de local onde sonhou em viver desde que instalou no Piauí. Nesse período de tempo, Clovia alega que o grupo armado invadiu a fazenda, expulsou os empregados e iniciou uma plantação nas terras do agricultor. No entanto, nesta última segunda-feira (21/01) Paduan retornou ao condomínio Laranjeiras para retomar a posse das terras no Matopiba, cuja a disputa na região já custou a vida de muitos.

“No fim, o que se passa por trás do caso de Clovis Paduan é um grande sistema de grilagem de terras por parte de empresar internacionais”, declarou Samuel Gomes. Em entrevista ao OitoMeia o advogado aproveitou pontuar que espera o apoio do Governo do Piauí na jornada a retomada da posse das terras do condomínio Laranjeiras, bem como na segurança de Paduan e dos funcionárias da propriedade.

O QUE A INTERPI DIZ

O OitoMeia entrou em contato com Instituto de Terras do Piauí (Interpi), que através da assessoria que se comprometeu em levar o assunto para discussão com a Procuradoria-Geral, para que uma resposta possa ser dada à esta reportagem, assim como à Clovis Paduan e a comunidade de fazendeiros que vivem em Baixa Grande do Ribeiro.

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