Protesto contra a actuação da JICA sobre a sociedade moçambicana no âmbito do programa ProSavana

Não ao ProSavana | 17 de fevereiro de 2017 | 日本語, English

Carta Aberta,
Ao Exmo. Senhor Presidente da Agência Japonesa de Cooperação Internacional- JICA
Professor Doutor Shinichi Kitaoka
C.C: Embaixada do Japão em Moçambique
 
Maputo, 17 de fevereiro de 2017
 
Ref: 13/JA/ 17                                                                     
 
Assunto – Protesto contra a actuação da JICA sobre a sociedade moçambicana no âmbito do programa ProSavana
 
Fundamentação

 
Esta é a primeira carta que os camponeses e as organizações da sociedade civil de Moçambique articuladas na Campanha Não ao ProSavana endereçam à JICA.

Todas as ocorrências e fontes primárias colectadas pela Campanha Não ao ProSavana confirmam claramente que a intervenção da JICA, com tendências a influenciar e desestabilizar o processo democrático e transparente no ProSavana, seja através do seu financiamento, funcionários ou consultores têm impactos negativos sobre os direitos humanos, direitos sobre terra e segurança alimentar dos camponeses afectados, modo de vida, incluindo as especificidades culturais dos camponeses, para além de retirar toda a independência a sociedade civil moçambicana e causar fragmentação no seio dela.

A referida intervenção viola as Directrizes das Considerações Socio-Ambientais e da Política de Cumprimento da JICA (Compliance Policy), a Carta das Nações Unidas, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e demais Legislação Internacional que o Japão assinou e fere a Constituição da República de Moçambique.

Há muito que as organizações da sociedade civil articuladas na Campanha Não ao ProSavana tem solicitado, sem sucesso, informação de vária ordem sobre as suas inquietações relativamente ao ProSavana, sobretudo, no que este programa representa para a agricultura em Moçambique. Todavia, as informações chave sobre o ProSavana têm tratamento excessivamente secreto. Entretanto, a Campanha Não ao ProSavana teve acesso a uma série de informações alegadamente confidenciais, cujos factos denotam uma actuação repugnante da JICA, considerando que viola uma série de princípios, normas e valores que regem a sua actividade e o povo dos Estados envolvidos no ProSavana. Tais factos demonstram que a actuação da JICA em todo este processo incluindo na prestação de contas não tem sido justa, transparente e responsável.
 
Através da presente carta pretende-se o seguinte: Em bom rigor, não constitui verdade que a JICA só está trazer o “desenvolvimento” ou “ajudando”, considerando que a sua actuação está a por em causa, de entre outros, o princípio do “Não causar danos” (Do no Harm). A actuação da JICA, como os seus próprios documentos indicam, está a criar condições que dificultam a governação justa, democrática, transparente e responsável de Moçambique. Importa referir que a Campanha Não ao ProSAVANA, promove e defende valores constitucionais traduzidos no respeito pelo Estado de Direito Democrático, cultura de paz, justiça social, pluralismo de expressão, respeito pelos direitos humanos, defesa da soberania e demais objectivos fundamentais plasmados no artigo 11 da Constituição da República.
 
Directrizes da JICA para Considerações Sócio-Ambientais
Protesto contra as violações cometidas pela JICA
 
Os documentos a que a Campanha teve acesso de forma informal revelaram pelo menos quatro sub-projectos da JICA no âmbito do ProSAVANA-PD (Projecto do Apoio pela Preparação do Plano Director) para financiamento, planificação, implementação e aprimoramento da intervenção na sociedade moçambicana, quais sejam:

a) “Definição da estratégia de comunicação”;
b) “Implementação da estratégia de comunicação”;
c) “Engajamento das partes interessadas”; e
d) “Revisão do Plano Director”.
 
É de salientar que os três primeiros projectos foram desenhados e implementados à margem do conhecimento da sociedade civil.
 
Os factos e aspectos abaixo indicados são informações que constam dos supra-referidos documentos da JICA e que revelam violação da JICA às nossas normas constitucionais, princípios de direito internacional e suas directrizes:
 
a) Os termos de referência da JICA que orientaram a consultoria da empresa Moçambicana (CV&A) definem claramente a elaboração de “um plano de acção e intervenção para cada parte interessada”.[i] Através deste contrato, “ProSavana: Estratégia de Comunicação” foi definida pela JICA em Setembro de 2013.[ii]  
 
b) Na estratégia estão descritas instruções claras de como “desvalorizar” e “tirar importância” da sociedade civil Moçambicana.[iii]
 
c) Para a implementação desta estratégia a JICA celebrou outro contracto com CV&A que foi negociado de forma extraordinária.
 
d) Uma vez que a campanha contra o ProSavana continuava, a JICA contratou uma outra empresa de consultoria (MAJOL) para investigar a “posição e interesses” no ProSAVANA e “força de influência” de cada organização da sociedade civil envolvida no protesto, bem como de determinados indivíduos e ainda formular “um comité de aconselhamento do ProSavana” que seria o único “plataforma/mecanismo de diálogo” entre os governos e a sociedade civil.[iv] Assim, MCSC-CN foi criado durante o período dos trabalhos de consultoria da MAJOL para a JICA em Fevereiro de 2016.[v]
 
e) Os termos de referência do contrato entre a JICA e a MAJOL expressam claramente que as organizações e indivíduos que forem identificados como (potencialmente) favoráveis ao ProSavana, como resultado da supra-referida investigação da MAJOL e que forem convidados para os encontros preparatórios carecem de autorização do Ministério de Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) e o Gabinete de Coordenação do ProSavana.[vi]
 
f) Após a criação do MCSC-CN, a Campanha não ao ProSavana teve, mais uma vez, informalmente acesso aos relatórios da MAJOL submetido a JICA, nos quais estava claro que o contrato estabelecido visava interferir na sociedade civil Moçambicana, especialmente no norte, criar e reforçar a divisão da mesma e isolar aqueles que se opõem ao programa.[vii]
 
g)  Como resultado, a JICA conseguiu dividir a sociedade civil moçambicana.
 
Esses factos e fortes revindicações têm vindo a ser denunciados publicamente, sobretudo através de comunicados de imprensa[viii]. No entanto, ao invés de responde-los, a JICA fortaleceu as suas intervenções maléficas no seio da sociedade civil moçambicana.
 
A contratação de representantes de ONGs Moçambicana e da sociedade civil como consultores da JICA é reveladora da sua contínua intervenção manipuladora na sociedade civil moçambicana
  A intervenção da JICA e do Governo Japonês na Media Moçambicana
O acima descrito demonstra claramente como a JICA conduziu a iniciativa e engajamento directo de intervenção na nossa sociedade através de financiamento, planificação, implementação e supervisão de seus sub-projectos do ProSavana-PD. Estas actividades violam os princípios de legalidade e directrizes da JICA, a Carta das Nações Unidas, Lei Internacional e nossa Constituição, com significativos impactos negativos na sociedade moçambicana.
 
Demanda das organizações articuladas na Campanha Não ao ProSavana
Perante as irregularidades expostas e a lamentável actuação da JICA neste processo, a Campanha Não ao ProSavana solícita:
  1. Divulgação de todos os documentos relacionados com o contrato da JICA com a Solidariedade Moçambique, particularmente o relatório inicial;
  2. Estabelecimento de uma análise independente do referido contrato e processo de contratação;
  3. Suspensão do contrato com a Solidariedade Moçambique, tendo em conta a análise acima referida;
  4. Cancelamento das “actividades de campo” (as chamadas “consultas comunitárias”);
  5. Respeito e cumprimento escrupuloso das normas, princípios plasmados na Constituição da República de Moçambique, as suas Directrizes e das demais leis internacionais aplicáveis ao caso. 
Com efeito e devido à urgência da situação, solicitamos que esta carta seja respondida até o dia 27 de Fevereiro de 2017, com base nas Directrizes “1.4 Princípios Básicos”, o documento da JICA, 3) “Responsabilidade para Prestação de Contas (“responsability for accountability”);4) “Resposta da JICA para Questionamentos de Stakeholders”; 5) “Divulgação de Informações” para assegurar a prestação de contas.
 
Por último, a Campanha Não ProSavana, enquanto povos unidos continuará engajada na luta contra as desigualdades, as injustiças ambientais, sociais, económicas e políticas, bem como na defesa de direitos humanos e interesses relativos ao acesso e controlo de terra, água, florestas, ar, bens e património culturais e históricos comuns. Ainda nos termos do artigo 81 da Constituição da República de Moçambique que apregoa o direito à resistência dos povos, a Campanha Não ao ProSavana realça o seu não ao Programa ProSavana e encoraja uma ampla mobilização de todos os movimentos sociais nacionais e internacionais, particularmente os de defesa e protecção de direitos humanos e pessoas de bem a resistir e lutar contra o ProSavana.
 
Atenciosamente,

Anabela Lemos
JA! Directora em representação das organizações da Campanha Não ao Prosavana
 
Assinado por:
Associação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais – ADECRU
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Nampula - CAJUPANA; 
Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Nacala - CDJPN  
Fórum Mulher – Marcha Mundial das Mulheres
Justiça Ambiental (JA!) – Amigos da Terra Moçambique
Liga Moçambicana dos Direitos Humanos - LDH
Livaningo
União Nacional de Camponeses – UNAC


[i]Documento primário da JICA. TOR, p. 4. http://www.ajf.gr.jp/lang_ja/ProSAVANA/docs/102.pdf
[iii]Documento primário da JICA.  “ProSAVANA: Estratégia de Comunicação”, pp.34 -35.
[iv]Documento primário da JICA. Relatório inicial (http://www.ajf.gr.jp/lang_ja/ProSAVANA/docs/123.pdf)
[v]Documento primário da JICA. Contrato (http://www.ajf.gr.jp/lang_ja/ProSAVANA/docs/121.pdf);
[vii]Relatórios submetidos pela MAJOL à JICA. http://www.farmlandgrab.org/post/view/26158-prosavana-files
[ix]Documentos primários da JICA. Contrato (http://www.ajf.gr.jp/lang_ja/ProSAVANA/docs/130.pdf) e TOR (http://www.ajf.gr.jp/lang_ja/ProSAVANA/docs/131.pdf)
[xii]No mesmo document com a nota 11. Veja no fim da página 1.
URL to Article
https://farmlandgrab.org/post/26937
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