10-1-2022, G1 Globo
Ação do MPF aponta que empresas cometeram apropriação ilegal e que comunidades enfrentavam ameaças de expulsão e tentativa de invasão onde viviam.
Uma fraude envolvendo empresas no Pará que levou à grilagem, ou apropriação ilegal, foi anulada pela Justiça Federal referente ao equivalente a 563 mil campos de futebol no sudoeste do estado. Segundo divulgado pelo Ministério Público Federal (MPF) nesta segunda-feira (10), a área é ocupada por povos tradicionais.
O MPF informou que, por causa da fraude, as comunidades vinham enfrentando ameaças de expulsão e tentativas de invasão das terras onde viviam.
Entre as comunidades tradicionais prejudicadas pela grilagem, segundo o MPF, está a das famílias de ribeirinhos, que também são chamados de beiradeiros, do projeto de assentamento agroextrativista Montanha e Mangabal, em Itaituba, cuja área é de 54,4 mil hectares.
A sentença é do dia 17 de dezembro, declarando a área como de domínio público federal. As empresas Madeireira São João, Agricultura e Pecuária Irmãos Marochi e Brasnort Administração de Imóveis e Colonização ao pagamento de R$100 mil por danos morais coletivos.
O g1 tentava contato com as empresas até a publicação da reportagem, mas não havia obtido resposta.
De acordo com o MPF, a determinação judicial também confirmou decisão urgente publicada em 2006, ano em que o MPF ajuizou ação. "A decisão liminar proibiu réus de tentar tomar posse da área, tornou indisponíveis as matrículas das terras griladas, além de ter suspendido processos de regularização fundiária dessas áreas", afirma o órgão. A sentença cita ainda que:
“A conduta (...) envolve décadas de alienações ilegais, erro cartório, judiciário, administrativo, além da má-fé dos requeridos mediante violação da conformidade legal do sistema registral (...). Portanto, trata-se de uma série de omissões e ações praticadas (...), cujos prejuízos econômicos, sociais e ambientais se prolongaram por décadas (...)”.
Investigações
Durante as investigações, o MPF disse que coordenou elaboração de levantamento da população de Montanha e Mangabal, com os pesquisadores Wilsea Figueiredo e Maurício Torres, da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Para provar que a posse da terra é coletiva, foram feitas árvores genealógicas até a 8ª geração de ascendentes de moradores da comunidade.
Os especialistas explicam que os "beiradeiros", como são conhecidos, são descendentes de antigos seringueiros atraídos para a Amazônia pela febre da borracha no século XIX e ocupam a área há pelo menos 150 anos.
Outra vertente do estudo foi a ambiental, segundo o MPF.
O relatório final indicou que famílias estimulam a biodiversidade, principalmente ao buscarem cultivar grandes variedades de espécies de plantas. Mais de 30 espécies de mandioca são utilizadas, cada uma para usos nutricionais e medicinais diferenciados.
A pesquisa encomendada pelo MPF foi avaliada pelo professor de Direito da UFPA José Heder Benatti, doutor em Desenvolvimento Socioambiental, que deu parecer confirmando a posse coletiva da terra.
A ação do MPF também teve contribuição da consultoria jurídica do então Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Brasil: Justiça anula fraude de empresas que levou à grilagem de 563 mil hectares de terra ocupada por povos tradicionais no PA