Caravana de solidariedade às vítimas dos megaprojectos no Corredor de Nacala

20-9-2016, ADECRU
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Cerca de 200 militantes da ADECRU organizados em grupos de bases e animadores da Justiça e Paz da Arquidiocese de Nampula e Nacala, em representação das comunidades camponesas e rurais das províncias de Tete, Zambézia, Manica e Nampula juntaram-se, ontem, dia 19 de Setembro, em duas caravanas de solidariedade, às comunidades afectadas por grandes investimentos e políticas de “desenvolvimento” no Corredor de Nacala com objectivo único de estimular a troca de saberes sobre a realidade que enfrentam, incentivando a solidariedade entre a população em defesa da terra e das suas riquezas naturais.

A primeira caravana partiu da cidade de Nampula e escalou, numa primeira etapa, a comunidade de Intatapila, na localidade de Nahipa, no distrito de Mecuburi. Nesta comunidade, a população partilhou os impactos do avanço das plantações florestais da Green Resoruces  nas suas machambas e territórios.
 
Clamor das comunidades
 
 “A Green Resources chegou nesta comunidade em 2009. Não houve nenhuma consulta comunitária, apenas começou a arrancar as terras e destruir casas das pessoas que viviam aqui onde hoje há plantações. Revelou AL,* animador de Justiça e Paz da Arquidiocese de Nampula. 
 
Outrossim, com as plantações verifica-se neste momento muita criminalidade na comunidade como avança DP,* militante da ADECRU, residente em Intatapila “a rainha permitiu a entrada dessas plantações para acabar com a ladroagem mas hoje estamos a verificar que isso aumentou. Por exemplo, nesta zona onde há plantações não se pode passar a partir das 16 horas, há muitos bandidos. Estamos a ver que ao invés de nos trazer soluções, os problemas aumentaram.” 
 
Entretanto, mais do que estes problemas ora avançados FZ,* membro desta comunidade, queixa-se da falta de vantagens comunitárias face aos eucaliptos “quando a empresa chegou disseram-nos que teríamos emprego e construiriam escolas, mas até agora nada disso foi feito, para termos emprego era necessário oferecer um cabrito ou então mil meticais.”
Dados em poder da ADECRU indicam que a Green Resources é uma empresa norueguesa registada no País como Lúrio Green Resources e foi-lhe concedida o Direito de Uso e Aproveito de Terra (DUAT) pelo executivo moçambicano em 2009, numa área de 126.000 hectares em cinco distritos da província de Nampula, cujo processo não respeitou os princípios de transparência e de participação pública dos cidadãos e das comunidades directamente atingidas. Na comunidade de Intatapila, por exemplo, esta empresa já tem 178 hectares ocupados de eucaliptos e como consequência, mais de 200 famílias perderam suas terras onde erguiam suas casas e faziam suas machambas para produção de diversas culturas para sua sobrevivência.
 
Na segunda etapa, a mesma caravana visitou a comunidade de Mathária, no distrito de Ribaué, onde cerca de 250 famílias perderam suas machambas para dar lugar a implantação do modelo 4 do ProSavana.
 
JM,* um dos líderes comunitários disse a ADECRU que “ os camponeses destas zonas foram arrancados suas terras pela Mathária Emprendimento e empurrados para terras arenosas onde hoje não conseguem produzir o suficiente para seu auto-sustento”. 
 
Outra testemunha que viveu de perto as acções desta empresa a desenrolarem desde o princípio até os dias que correm é a senhora MG,* membro desta comunidade que revelou que “na terra de onde fomos tirados havia cemitérios, casas, cajueiros, mas a comunidade perdeu tudo isso e nunca sequer foi compensada.” 
 
A Mathária Empreendimento é uma empresa que recebeu financiamento do Fundo da Iniciativa de Desenvolvimento do ProSAVANA (ProSAVANA Development Initiative Fund – PDIF) e usurpou terras de mais de 200 famílias na comunidade de Mathária para dar lugar a produção de soja . 
 
Dramas arrepiantes encontrados no decurso da segunda caravana
 
Por seu turno, a segunda caravana partiu de Malema-sede para a comunidade 19 de Outubro. Trata-se de uma zona afectada por MOZACO, uma empresa do ramo de agronegócio que está a incrementar a plantação do algodão e soja no âmbito da implementação da Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutricional em \Africa. 
 
“Essa empresa instalou-se na nossa comunidade sem nenhuma consulta pública e desalojou-nos sem nenhuma indeminização. Hoje por não termos um lugar para onde irmos, vivemos aqui neste pântano entregues à nossa sorte’’, disse EV,* mãe de 5 filhos, militante da ADECRU e residente na comunidade 19 de Outubro. AF,* outro militante residente na mesma comunidade afirma que “perdemos a nossa igreja e até cemitério nós não podemos mais sepultar os nossos defuntos porque a MOZACO não nos permite. O nosso pedido é que nos tirem desse pântano porque nós passamos mal sempre que chove e vivemos em condições desumanas.”
 
A comunidade de Namela que estava na mira para ser afectada pelas actividades da MOZACO partilhou a sua experiência de resistência contra o avanço desta empresa sobre seus territórios “nós negamos e negaremos até a nossa morte o avanço da empresa MOZACO sobre as nossas terras onde habitamos e praticamos a nossa agricultura’’ disse AS,* militante da ADECRU residente na comunidade 19 de Outubro. 
 
Uma militante da ADECRU integrante da Caravana referiu que: “ fui chamada de maluca quando removi todos os marcos que agricultura e a MOZACO haviam colocado sobre as nossas terras e coloquei-os no tractor que eles traziam’’. 
 
Nesta comunidade muitos foram perseguidos e intimidados por desafiar as empresas e as autoridades governamentais pela recusa do avanço destes megaprojectos sobre os seus territórios em defesa da terra, água e floresta. 
 
Os participantes da segunda caravana partilharam as suas pautas de lutas diárias e afiançaram-nos que o combate contra a usurpação da terra, violação dos direitos humanos, o desrespeito pelos patrimónios históricos das comunidades constitui uma demanda que deve envolver as regiões afectadas e não afectadas tanto pela mineração, assim como pelo agronegócio a escala nacional.
 
 As caravanas constituem o momento de formação da consciência através de aprofundamento do conhecimento da realidade das comunidades que antecede o II encontro unitário das comunidades rurais que acontece, hoje,20, na vila sede de Malema, no qual participam cerca de 200 pessoas para traçar estratégias de luta, resistência e discutir alternativas sustentáveis para o seu próprio desenvolvimento. 
 
 
AL,* DP,* FZ,* JM,* AF,* EV* e AS* são iniciais dos nomes das fontes que por razões de preservação das suas identidades foram omissos.
 
NB: Este artigo foi produzido no âmbito da implementação das actividades da ADECRU em parceria com APN, WE EFFECT, SIEMENPUU e GGF.

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