Projeto agrícola financiado pelo Brasil atrai acusações em Moçambique
Projeto agrícola financiado pelo Brasil atrai acusações em Moçambique
Um projeto de desenvolvimento da agricultura em Moçambique, financiado pelos governos do Brasil e do Japão, levou à expulsão de centenas de pequenos agricultores de suas terras para dar espaço a grandes empreendimentos, segundo acusações feitas por mais de 20 organizações nacionais e internacionais.
Considerado uma das vitrines da política externa do governo Lula na África, o Prosavana tinha como objetivo melhorar a vida da população em zonas rurais pobres com a produção em larga escala de alimentos.
A área escolhida em Moçambique é o chamado Corredor de Nacala, a mais produtiva do país, onde foi instalada uma ferrovia atravessando todo o corredor —da fronteira com o Maláui (norte) até o porto de Nacala— para facilitar o escoamento.
Há duas acusações em Moçambique contra o Prosavana. A primeira diz respeito à região de Nampula, onde a empresa Mathara Empreendimentos é suspeita de ter expulsado cerca de cem famílias de pequenas propriedades, colocando animais nas plantações dos agricultores para forçar sua saída.
A segunda é sobre a suposta usurpação de propriedades em Gurué pela Agromoz, conglomerado de empresas formado pelo grupo Américo Amorim (Portugal), Intelec (Moçambique) e Pinesso (Brasil), uma das maiores produtoras de soja do país.
A Intelec tem como principal acionista o ex-presidente moçambicano Armando Guebuza (2005-2015). Segundo a acusação, algumas famílias teriam recebido apenas 6.000 meticais (cerca de R$ 530) pelas terras.
"O Prosavana não é um projeto de desenvolvimento agrário, mas de pobreza e insegurança alimentar", diz Clemente Ntauazi, da Adacru (Ação Acadêmica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais).
"Não identifico esse problema [de usurpação] na população. Eles são sempre simpáticos", diz Paulo Nogueira, coordenador substituto de cooperação técnica da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que participa do Prosavana.
Em nota, o Itamaraty afirma que "cabe ao governo de Moçambique coordenar os investimentos" e que o Prosavana "não atua ou promove a atuação de empresas".
A Folha não obteve resposta ao procurar as empresas denunciadas. O governo de Moçambique também não respondeu às solicitações.
Moçambique
AUDIÊNCIAS
Com as denúncias e a desinformação dos camponeses, o governo de Moçambique realizou audiências públicas em abril deste ano para explicar o Prosavana.
Em uma dessas reuniões, conforme filmagens vistas pela reportagem, um agricultor que disse ter sido expulso de sua terra chama representantes do Prosavana de "mafiosos" e diz que os camponeses não querem o projeto.
As audiências atraíram críticas por terem sido divulgadas apenas 15 dias antes de começarem. O governo fez anúncios em jornais e criou um site sobre o Prosavana.
"Em um país com mais de 50% de analfabetos, lançarem comunicados em jornais que mal circulam na região afetada pelo projeto é, no mínimo, inocente", diz Marcio Pessoa, pesquisador brasileiro que acompanhou o movimento de camponeses.
Três cartas abertas assinadas por 72 associações e organizações nacionais e internacionais foram enviadas para a presidente Dilma Rousseff, o presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o premiê japonês, Shinzo Abe.
A última, de maio, pede a paralisação "urgente" do Prosavana em Moçambique. Até agora, nenhuma resposta foi dada pelos governos.
O Prosavana foi criado com base no Prodecer (Programa Brasileiro de Desenvolvimento dos Cerrados), adotado no Brasil na década de 70 e também financiado pelo Japão à época. Na cooperação atual feita com Moçambique, o custo total é estimado em US$ 35 milhões (R$ 122,8 milhões).
De acordo com o Itamaraty, a coordenação do Prosavana cabe à ABC (Agência Brasileira de Cooperação), ligada ao ministério, e a transferência de técnicos e tecnologia cabe à Embrapa. O Brasil ainda mantém um escritório no país africano.
Até 2013, o repasse a Moçambique pelo Brasil foi de US$ 13,7 milhões (R$ 48,1 milhões). No mesmo período, o Japão investiu US$ 23,8 milhões (R$ 83,7 milhões).
O Itamaraty não respondeu sobre os valores atuais.